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A (im)possibilidade de decretação imediata do divórcio – Das incertezas do Poder Judiciário

  • Foto do escritor: Clarice Quaresma
    Clarice Quaresma
  • 8 de mai. de 2023
  • 4 min de leitura

É inerente ao ser humano a busca por segurança, por certeza.


Durante a vida, tentamos nos proteger das intempéries da vida por meio de plano de saúde, plano de previdência, contratualização das transações negociais, investimentos, poupanças...


E que instituição mais apta a promover estabilidade e segurança do que o Poder Judiciário? Correto?


Na verdade, não.


Se nós, advogados, nos sentimos frustrados quando um cliente nos procura atrás de uma resposta certa, de uma garantia de êxito que não podemos oferecer, imagina o quão frustrante é essa incerteza para o cliente.


Uma das (muitas) polêmicas do magnífico Direito das Famílias consiste na possibilidade de concessão do divórcio em razão da vontade de apenas 01 dos cônjuges.


Explico:


Antes da Emenda Constitucional de nº 66/2010, a Constituição Federal permitia a celebração do divórcio somente após um ano de separação judicial ou dois anos de separação de fato. Depois da promulgação de aludida emenda, o divórcio passou a poder ser concedido sem qualquer prévio requisito.


Ora, se (1) não há necessidade de separação prévia e se (2) ninguém pode ser obrigado a permanecer casado contra a sua vontade, não bastaria um dos cônjuges requerer o divórcio judicialmente para a sua concessão?


Se a vontade de somente um dos cônjuges já é suficiente para o divórcio, não podendo o outro manter o marido/a esposa em um casamento contra a sua vontade, bastaria essa vontade ser expressa para o divórcio, não?


Urge frisar que estamos aqui nos referindo somente ao estado civil – não a eventual partilha de bens, fixação de alimentos ou qualquer outra questão pendente entre os cônjuges.


A principal controvérsia é: o divórcio poderia ser concedido por meio de decisão liminar? Liminar é a decisão concedida no início do processo, antes de a parte ré se manifestar nos autos.


Uma parte dos juristas entende que sim. Outra, que não.


Apesar de a redação da Emenda 66/2010 ser objetiva e clara “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.”, os Tribunais divergem sobre a maneira e o momento de concessão do divórcio.


A resistência em se unificar este entendimento se deve aos artigos 296 e 300, §3º do Código de Processo Civil, que determinam que as tutelas deferidas em caráter liminar não podem ser irreversíveis.


A dificuldade em se estabelecer um entendimento único é tamanha que nem mesmo é possível verificar sintonia em um único órgão julgador.


A fim de ilustrar essa dificuldade, realizamos uma pesquisa no acervo de jurisprudência da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. As duas ementas apresentas a seguir possuem poucos meses de diferença, foram decididas pelo mesmo órgão e, contudo, demonstram entendimentos opostos.


EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - FAMÍLIA - DECRETAÇÃO LIMINAR DO DIVÓRCIO - NECESSIDADE DE CITAÇÃO DA PARTE CONTRÁRIA.

Conquanto a legislação recente que rege o divórcio tenha facilitado o seu procedimento, visando a sua celeridade, dispensando e tendo por desnecessário qualquer lapso temporal ou discussão referente à questão que resultou no fim do relacionamento conjugal; tem-se que a parte contrária deve ter ciência e possibilidade de se manifestar nos autos antes da decretação do divórcio, uma vez que haverá alteração do seu estado civil. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.21.229775-8/001, Relator(a): Des.(a) Geraldo Augusto , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/02/2022, publicação da súmula em 24/02/2022)


EMENTA: FAMÍLIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIVÓRCIO. DECRETAÇÃO LIMINAR DO DIVÓRCIO. POSSIBILIDADE. DIREITO POTESTATIVO. - Após a edição da EC nº 66/2010, que deu nova redação ao art. 226, § 6º, da Constituição Federal, o divórcio é considerado um direito potestativo, que independe de qualquer outro pré-requisito, podendo ser decretado antes de dirimida a partilha, nos moldes do art. 731 do Código de Processo Civil. - Dessa forma, o Juiz pode proferir sentença parcial de mérito sem a necessidade de oitiva do outro cônjuge e o processo deve prosseguir em relação às questões de direito que exigem o contraditório. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.21.140404-1/001, Relator(a): Des.(a) Alberto Vilas Boas , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/11/2021, publicação da súmula em 23/11/2021)


Realizamos uma nova pesquisa, dessa vez no acervo de jurisprudência da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Assim como na 1ª Câmara, localizamos ementas que, embora decididas pelo mesmo órgão ilustram posicionamentos opostos.


EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - CONVERSÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL EM DIVÓRCIO - PEDIDO LIMINAR - TUTELA DE URGÊNCIA E EVIDÊNCIA - AUSÊNCIA DOS REQUISITOS - RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Não se desconsiderando que a decretação do divórcio é um direito potestativo da parte, não se mostra razoável sua concessão em sede de tutela urgência ou de evidência, em face da irreversibilidade da medida e a ausência dos requisitos. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.21.121165-1/001, Relator(a): Des.(a) Afrânio Vilela , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/12/2021, publicação da súmula em 09/12/2021)


EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE DIVÓRCIO UNILATERAL - DECRETAÇÃO LIMINAR DO DIVÓRCIO - POSSIBILIDADE.

1. A Emenda Constitucional n. 66/2010 alterou a redação do art. 226, §6º, da Constituição da República, tornando o divórcio um direito potestativo, de forma que basta a manifestação de um dos cônjuges para sua efetivação, não sendo necessária sequer a prévia partilha dos bens. 2. Frente à anuência da agravada, não é razoável impor aos cônjuges que aguardem o deslinde da ação. 3. Recurso provido. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.20.588500-7/001, Relator(a): Des.(a) Alexandre Victor de Carvalho , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/12/2021, publicação da súmula em 09/12/2021)


Sabemos que a evolução do Judiciário é constante e a passos lentos. Contudo, faz-se imprescindível e urgente que o Superior Tribunal de Justiça decida sobre a forma de concessão do divórcio.


Afinal, não podem os jurisdicionados serem privados de uma garantia já consagrada constitucionalmente pela insuficiência legislativa em prever uma técnica procedimental adequada para a concessão de um direito potestativo de maneira imediata.


Nas palavras da magnânima e pioneira jurista Maria Berenice Dias: “Quando um não quer, dois não ficam casados”.




Referências:

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 14 ed. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 574.

DIAS, Maria Berenice. Divórcio já!, 9 jul. 2010. Disponível em: <https://ibdfam.org.br/artigos/628/Div%C3%B3rcio+J%C3%A1%21> Acesso em: 23 de abril de 2023

XAVIER, Marília Pedroso; PUGLIESE, William Soares. Divórcio liminar, jurisprudência uniforme e relevância. Disponível em <https://revistaibdfam.com.br/upload/revista-cientifica/leitor/55/#p=9> Acesso em: 22 de abril de 2023.

 
 
 

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